Maioria do STF: é constitucional repasse de dados bancários para Receita sem autorização judicial
O plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) mudou novamente sua jurisprudência, na sessão plenária desta quinta-feira (18), e praticamente decidiu – já formada maioria de seis votos – que são constitucionais os dispositivos da Lei Complementar 105/2001 e regulamentações posteriores que permitem o fornecimento direto à Receita Federal, pelos bancos, de informações sobre movimentações financeiras de contribuintes, sem necessidade de autorização judicial.
Ausentes os ministros Luiz Fux e Gilmar Mendes, e faltando ainda votar o decano Celso de Mello e o presidente Ricardo Lewandowski, foi marcada para a próxima quarta-feira (24) a conclusão do julgamento conjunto de um recurso extraordinário com repercussão geral (RE 601.314) e de quatro ações de inconstitucionalidade, das relatorias dos ministros Edson Fachin e Dias Toffoli, respectivamente.
Os processos contestam, basicamente, a constitucionalidade do artigo 6º da LC 105/01, por configurar quebra de sigilo bancário, com violação do artigo 5º, inciso 12 da Carta de 1988 (“é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal”).
O artigo 6º da lei complementar estabelece: “As autoridades e os agentes fiscais tributários da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios somente poderão examinar documentos, livros e registros de instituições financeiras, inclusive os referentes a contas de depósitos e aplicações financeiras, quando houver processo administrativo instaurado ou procedimento fiscal em curso e tais exames sejam considerados indispensáveis pela autoridade administrativa competente”.
Os votos até agora vencedores dos relatores foram acompanhados pelos ministros Roberto Barroso, Teori Zavascki, Rosa Weber e Cármen Lúcia, na linha de que os dispositivos legais em questão não configuram violação da intimidade, por não se tratar, propriamente, de quebra do sigilo bancário, mas de transferência de informações – dos bancos para o Fisco – de dados a quem têm acesso até os próprios gerentes das agências bancárias, como destacou o ministro Dias Toffoli.
No primeiro voto divergente – o sétimo, pela ordem de antiguidade – o ministro Marco Aurélio ficou indignado com a mudança de jurisprudência do Supremo, tendo como referência o julgamento, em dezembro de 2010, de um recurso extraordinário sobre a mesma questão.
Naquela ocasião, por 5 votos a 4, o STF acolheu o RE 389.808 (sem repercussão geral reconhecida) no qual se contestava o acesso da Receita Federal a informações fiscais de uma empresa, sem fundamentação e sem autorização judicial. A maioria, então, entendeu não ser possível acesso a tais dados sem ordem judicial, e foi formada pelos ministros Marco Aurélio (relator), Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes, Celso de Mello e Cezar Peluso. Ficaram vencidos Dias Toffoli, Cármen Lúcia, Ayres Britto e Ellen Gracie.
Na sessão desta quinta-feira, Marco Aurélio afirmou que chegava ao fim “uma semana de tristeza no tocante às liberdades fundamentais e às franquias constitucionais”, citando a decisão que permitiu o cumprimento da pena por réu com condenação confirmada pela segunda instância e a que entendeu incabível habeas corpus contra decisão de ministro do STF.
O ministro, cujo voto prevaleceu em 2010 e agora viu a tese ser revertida, acrescentou: “Agora caminhamos para rever uma jurisprudência de 2010 do plenário do STF, e mais uma vez – o que gera insegurança – o fazemos sem que tenha ocorrido uma mudança de texto constitucional. Embora não pareça, a nossa Constituição é um documento rígido, que está no ápice das normas jurídicas. O que mudou de 2010 para hoje? A Constituição? A norma complementar e os dispositivos legais? Não. Estamos aqui a nos confrontar com as mesmas hipóteses, os mesmos parâmetros. O que mudou foi a composição do STF”.
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Maioria
O ministro Edson Fachin, relator do RE 601.304, defendeu no seu voto a tese de que é finalidade da tributação promover o princípio constitucional da igualdade. A seu ver, “não há direito absoluto em matéria de sigilo bancário”, que deve ceder ao princípio da moralidade, podendo ser mitigado quando transações bancárias são suspeitas.
Destacou também que o Brasil aderiu a vários tratados internacionais, como a Convenção Multilateral de Assistência em Matéria Fiscal, aderindo ao esforço internacional de combate aos ilícitos fiscais, como a lavagem de dinheiro em paraísos fiscais. No caso concreto em julgamento, Fachin entendeu que a identificação do patrimônio do contribuinte, tal como arrolada no decreto que regulamenta a LC 105, não “desbordou dos padrões constitucionais, pois manteve o sigilo dos dados, instituindo apenas um traslado das informações da esfera bancária para a fiscal”.
Ele lembrou que os contribuintes, aliás, são obrigados a prestar informações ao Fisco sobre patrimônio e contas bancárias nas declarações destinadas ao Imposto de Renda.
O relator das ações de inconstitucionalidade em julgamento, Dias Toffoli, lembrou que havia sido voto vencido em 2010, e que já naquela ocasião afirmara que a lei complementar atacada não quebrava o sigilo, tratando, apenas, de “transferência de dados” para um órgão fiscalizador do Executivo. Acrescentou que a lei complementar estabeleceu a responsabilização civil do funcionário público que eventualmente quebrar ou “vazar” o sigilo de que é guardião.
O ministro Barroso considerou “delicadíssima” a questão da “quebra ou transferência de sigilo bancário”; que a regra geral deve ser a reserva de jurisdição em casos de sigilo bancário ou telefônico; que, em qualquer forma, deve depender de autorização judicial. No entanto, entendeu que a regra deveria ser “atenuada” no caso da Receita Federal.
Ele assinalou que a Receita “já é destinatária natural dessas informações”, e que o contribuinte que cumpre as suas obrigações já presta, anualmente, informações relevantes sobre seus saldos, pagamentos a terceiros e investimentos.
Com pequenas variações, os votos de Fachin, Toffoli e Barroso foram acompanhados por Teori Zavascki, Rosa Weber e Cármen Lúcia.
Fonte: JOTA, de 18 de fevereiro de 2016.