A aplicação da LINDB ao contencioso tributário
O Código de Processo Civil (CPC) tem claro intuito de viabilizar a prestação jurisdicional de modo uniforme, fazendo-o, dentre outros instrumentos, por meio da valorização dos precedentes.
Recente alteração da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB) parece dialogar com o indigitado intuito do diploma processual, gerando significativa repercussão no contencioso tributário. O propósito do presente artigo é justamente analisar a aplicação da LINDB como instrumento que viabiliza a estabilidade das decisões judiciais em matéria tributária.
A LINDB foi recentemente alterada pela Lei nº 13.655/18, de modo a prever que a revisão, nas esferas administrativa, controladora ou judicial, quanto à validade de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa cuja produção já se houver completado levará em conta as orientações gerais da época, sendo vedado que, com base em mudança posterior de orientação geral, se declarem inválidas situações plenamente constituídas.
A Lei, em sua nova redação, estabelece ainda que por orientações gerais deve-se considerar as interpretações e especificações contidas em atos públicos de caráter geral ou em jurisprudência judicial ou administrativa majoritária, e ainda as adotadas por prática administrativa reiterada e de amplo conhecimento público.”
Num primeiro momento, a alteração da LINDB provocou debates sobre a sua aplicabilidade aos processos tributários. No entanto, cabe ressaltar que a norma não excepcionou a seara tributária de seu âmbito de aplicação – o Direito Brasileiro. Essa foi, inclusive, a posição de Floriano Azevedo Marques, que participou da formulação da Lei que alterou a LINDB, em entrevista divulgada no portal JOTA.1.
No que tange à vinculação a orientações, tal como faz a LINDB, leciona a professora Teresa Arruda Alvim,2, que o respeito aos precedentes, mesmo no ambiente de civil law, é cabível e está embasado nos princípios da legalidade e da igualdade, ambos basilares do Estado de Direito, e que permitem, em última análise, que a sociedade conheça as regras do jogo, antes de começar a jogar. De forma semelhante, Luiz Guilherme Marinoni3 observa que o juiz tem o dever de manter a coerência e zelar pela respeitabilidade do Poder Judiciário, de modo a garantir a efetividade da prestação jurisdicional e a razoável duração do processo.
De fato, não se pode ignorar a relevância da segurança jurídica para o Estado de Direito como um todo, sendo certo que a modulação de efeitos, trazida pela Lei nº 9.868/99 e a aplicação dos precedentes disciplinada pelo CPC4, (inclusive com a possibilidade de ingresso de ação rescisória quando da mudança de entendimento dominante dos Tribunais Superiores),5 apenas reforçam a importância desse princípio constitucional implícito.
Nessa perspectiva, é relevante observar que os lançamentos de ofício discutidos no âmbito do processo judicial, em muitos casos, são decorrentes de atos jurídicos praticados com base na orientação jurisprudencial majoritária ao tempo do ato, mas que, de outro lado, foi desconsiderada pela autoridade administrativa quando no ato administrativo de julgamento. O papel da LINDB, nessa perspectiva, é atribuir coerência na interpretação das normas ao longo do tempo.
O sistema tributário, a propósito, sempre esteve orientado de modo a proteger o sujeito passivo que age guiado pela orientação da Administração Pública, a quem é defeso venire contra factum proprium. O artigo 76, II, “a”, da Lei nº 4.502/646, por exemplo, exime do pagamento de multa aquele que agiu em conformidade orientação jurisprudencial constante de decisão de última instância proferida em processo tributário. De forma semelhante, o artigo 100, parágrafo único, do Código Tributário Nacional (CTN), exime do pagamento de multa o sujeito passivo orientado por normas complementares.7.
É evidente que os princípios da isonomia e da segurança jurídica sempre encabeçaram as normas que orientam o Estado de Direito. A LINDB, nessa perspectiva, somente visa conferir maior efetividade a tais princípios na prestação jurisdicional. Na seara tributária, isso implica não apenas o direito à exclusão de penalidades – que já ocorre –, mas também uma proibição expressa à imprevisibilidade tributária também quanto ao principal, de modo que haja isonomia e segurança jurídica plena.
Na aplicação da LINDB, o ato a ser considerado, em princípio, é o ato jurídicopraticado pelo sujeito passivo, já que é justamente este último o protegido pelas orientações gerais da Administração Pública. Ainda assim, em caso de desvio por parte da autoridade competente para realizar (e revisar) o lançamento de ofício, cabe ao Poder Judiciário aplicar a LINDB em defesa do sujeito passivo, na hipótese de o caso concreto se amoldar à norma, isto é: caso reste comprovado que os atos do sujeito passivo foram influenciados pela Administração Pública.
É bem verdade que, de outro lado, o artigo 24 da LINDB não deixa claro quais são os critérios utilizados para demonstrar que uma jurisprudência foi majoritária ao tempo da prática do ato jurídico. Ainda assim, sem prejuízo da demonstração feita pelas partes no caso concreto, diante da exposição quanto aos fundamentos de certeza e segurança jurídica, numa visão conservadora, são orientações gerais suficientes para atrair a aplicação da LINDB (i) decisões da Câmara Superior de Recursos Fiscais (CSRF) e (ii) decisões proferidas em Soluções de Divergência, (iii) pareces normativos e (iv) decisões proferidas pelos Tribunais Superiores em repercussão geral ou recurso repetitivo.
No âmbito do contencioso tributário, portanto, a aplicação da LINDB é mandatória, a fim de que o controle de legalidade dos atos de lançamento possa dialogar com a proteção da confiança legítima, de modo que haja coerência e estabilidade da jurisprudência, tal como prega o diploma processual.
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1 Disponível em: <https://bit.ly/2OgRF8M>.
2 Cf. ALVIM, Teresa Arruda. “Precedentes e Evolução do Direito”. In: ALVIM, Teresa Arruda (Org). “Direito Jurisprudencial”. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012, pp. 31-32.
3 Cf. MARINONI, Luiz Guilherme. “Aproximação crítica entre as jurisdições de civil law e de common law e a necessidade de respeito aos precedentes no Brasil”. In: Revista de Processo 2009 – REPRO 172, p. 207.
4 arts. 926 e seguintes do CPC
5 art. 966, § 5º, do CPC
6 Art. 76. Não serão aplicadas penalidades: […] II – enquanto prevalecer o entendimento – aos que tiverem agido ou pago o imposto: a) de acordo com interpretação fiscal constante de decisão irrecorrível de última instância administrativa, proferida em processo fiscal, inclusive de consulta, seja ou não parte o interessado; […].
7 Art. 100. São normas complementares das leis, dos tratados e das convenções internacionais e dos decretos: […] Parágrafo único. A observância das normas referidas neste artigo exclui a imposição de penalidades, a cobrança de juros de mora e a atualização do valor monetário da base de cálculo do tributo.
JOTA – 04/10/2018