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Desconsideração da personalidade jurídica nas relações de consumo

O novo Código de Processo Civil, no intuito criar mecanismos para efetivar o instituto da desconsideração da personalidade jurídica, previu um incidente de desconsideração, modalidade de intervenção de terceiros, pois provoca o ingresso de terceiro (sócio ou outra pessoa jurídica do mesmo grupo societário) em juízo. O artigo 133 do CPC/2015 prevê que o incidente será instaurando a pedido da parte ou do Ministério Público, quando lhe couber intervir no processo (veja que o CPC/2015 baseou-se no artigo 50 do CC que traz dispositivo semelhante, proibindo a atuação de ofício do magistrado).

Com a disciplina do incidente de desconsideração da personalidade jurídica pelo novo CPC e em razão do dispositivo do artigo 133 do CPC/2015 que proíbe, a priori, a atuação de ofício do magistrado, dúvida pode existir sobre a possibilidade da intervenção de ofício para desconsiderar a personalidade jurídica nas relações de consumo.

Inicialmente é válido esclarecer que nas relações de consumo a decretação da desconsideração da personalidade jurídica poderá ser de ofício.

A Constituição Federal no artigo 5°, XXXII, disciplina que o “Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor.” Assim, a própria Constituição reconheceu a vulnerabilidade do consumidor como marca fundante da proteção. Isso porque quando a Constituição previu no artigo 5º, XXXII, que o Estado deverá promover a “defesa do consumidor”, é porque reconheceu que este indivíduo se apresenta vulnerável frente ao outro parceiro contratual (no caso o fornecedor, expert da relação).

De outro modo, se fossem parceiros (consumidor e fornecedor) que agissem na relação em “pé de igualdade”, não faria sentido a Constituição prever a defesa de um deles. O princípio da isonomia somente deve ser aplicado na medida em que trata desigualmente os desiguais. E é justamente isso o que acontece com a defesa do consumidor na Constituição. Defender o consumidor, pois, por se apresentar vulnerável na relação de consumo, necessita de proteção (tratamento diferenciado).

Nesse sentido, a própria carta magna reconhece a vulnerabilidade do consumidor e a necessidade de sua proteção, seja pelo Estado-legislador, pelo Estado- executivo, bem como pelo Estado-juiz.

A proteção ao consumidor deverá ser feita, de acordo com o preceito constitucional, na forma da lei. A lei, no caso, é o Código de Defesa do Consumidor (artigo 48 da ADCT). O Código de Defesa do Consumidor, por sua vez, dando eficácia ao preceito constitucional e visando proteger o consumidor, estipula que as normas protetivas são consideradas de ordem pública e de interesse social (artigo 1° do CDC). As normas de ordem pública e de interesse social são aquelas que interessa a toda a sociedade e não somente as partes. Com isso, a intervenção do magistrado (Estado – Juiz), independentemente de requerimento da parte (no caso, o consumidor), se faz necessária para que ocorra a efetiva proteção aos direitos dos consumidores vulneráveis.

Assim, o juiz, ao se deparar com alguma situação em que se configure a insolvência do fornecedor frente ao consumidor (hipótese do §5°do artigo 28 do CDC), deverá, ainda que não haja requerimento expresso, desconsiderar a pessoa jurídica para atingir os bens dos sócios (pessoas físicas ou outras empresas sócias). O ressarcimento ao consumidor é de interesse social na medida em que a atuação do magistrado serve para mitigar a vulnerabilidade existente, promovendo o equilíbrio entre as partes, efetivando o instituído no artigo 5°, XXXII da CF.

Deste modo, no nosso entender, o dispositivo do CPC/2015 que determina a obrigatoriedade do incidente, nos moldes do artigo 133 e seguintes do CPC/2015, para que ocorra a desconsideração da personalidade jurídica (artigo 795, § 4° do CPC/2015), somente deve ser aplicada nas hipóteses em que o magistrado não poderá atuar de ofício, como no caso do Código Civil e da Lei do CADE, por exemplo (aplicação da teoria maior da desconsideração).

Nas relações de consumo (aplicação da teoria menor da desconsideração), como o magistrado pode decretar de ofício a desconsideração, não haverá a necessidade do incidente de desconsideração previsto no novo CPC. Até porque, o incidente se faz necessário nas hipóteses em que há requisitos específicos para a desconsideração (no caso do CC, confusão patrimonial e/ou desvio de finalidade), permitindo o contraditório inicial dos sócios, de modo a esclarecer ao magistrado se existe ou não os requisitos autorizadores da desconsideração.

No caso do CDC o requisito autorizador é objetivo, ou seja, basta a insolvência da pessoa jurídica. Havendo óbices ao ressarcimento do consumidor, por não serem encontrados bens suficientes da pessoa jurídica, poderá o juiz desconsiderar a personalidade para adentrar no patrimônio dos sócios. Ademais, o consumidor tem o direito à facilitação da defesa de seus direitos em juízo (artigo 6°, VIII do CDC) e possibilitar um incidente processual, modalidade de intervenção de terceiros com a suspensão do processo principal, acarreta uma delonga processual que não interessa ao consumidor.

Ademais, a necessidade do incidente para desconsiderar a personalidade jurídica nas relações de consumo ofende o princípio do não retrocesso. Se antes do novo CPC poderia o juiz realizar a desconsideração da personalidade jurídica, de ofício, nas relações de consumo (isso porque o CDC é uma norma de ordem pública), agora, com o novo CPC (em que há necessidade de instauração do incidente — e não poderá ser de ofício!) haverá um claro retrocesso na defesa do consumidor. O que antes possibilitava a desconsideração de ofício, agora, com o novo CPC, além de não poder desconsiderar de ofício, até o incidente (antecedente à desconsideração) deverá ter requerimento expresso.

Revista Consultor Jurídico, 2 de agosto de 2017

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