Dispensa irregular de licitação só é crime se houver dolo, reafirma STJ
O crime de dispensa irregular de licitação não pode ser imputado se não foi comprovado o dano ao erário ou o dolo do réu na conduta. Esse entendimento é reforçado se a culpa não foi devidamente mostrada na denúncia ou citada na decisão como argumento para condenação.
Assim entendeu a 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça ao restabelecer sentença que absolveu cinco réus da acusação de dispensa indevida de licitação, crime previsto no artigo 89 da Lei 8.666/1993. Os acusados foram denunciados pelo Ministério Público Federal porque, em vez de abrirem o certame, firmaram Termo de Permissão de Uso (TPU) para usarem área pública no porto de Santos.
Os réus foram absolvidos em primeira instância por falta de prova que comprovasse o dolo da conduta e prejuízo ao erário. O MPF recorreu dessa decisão ao Tribunal Regional Federal da 3ª Região. Lá, a 2ª Turma proveu o parcialmente o questionamento, condenando quatro dos cinco acusados. Todas as partes recorreram: os réus buscando absolvição e o MPF para condenar o único réu absolvido.
Um dos réus argumentou não foi comprovado dolo específico com intenção de causar dano ao erário. Disse que a decisão do TRF-3, ao não especificar o dolo específico,contrariou jurisprudência do STJ e que não houve qualquer prejuízo aos cofres públicos, pois não houve perda patrimonial. Ao contrário, continuou, a área usada estava abandonada e passou a ter utilidade e gerar receita ao estado de São Paulo.
Afirmou também que, ao absolver apenas um dos réus, o acórdão tratou diferentemente os acusados apesar de julgá-los com base na mesma situação. O segundo réu argumentou que TPU questionado foi emitido pela Companhia de Desenvolvimento de São Paulo (Codesp) por conta da urgência para que a área passasse a funcionar produtivamente.
Alegou ainda que a efetivação do TPU independe de licitação, o que impede a condenação com base no artigo 89 da Lei 8.666/1993. Os outros três réus reafirmaram a falta de dolo e alegaram o acórdão da 2ª Turma do TRF-3 ignorou que o termo questionado não foi chancelado pelos conselhos de Administração e de Autoridade Portuária, pela Superintendência Jurídica da Codesp, pela Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) e pela AGU.
Já o MPF afirmou que o único réu absolvido até aquele momento deveria ser condenado com base na teoria do domínio do fato, pois era o presidente da companhia que passou a usar a área. O relator do caso, ministro Reynaldo Soares da Fonseca, ao conceder o recurso dos réus, destacou que a condenação por dispensa de licitação sem dolo ou demonstração de prejuízo ao erário vai contra a jurisprudência do STJ.
“O direito penal deve atuar como ultima ratio. Destarte, mostra-se inviável a condenação criminal quando há consistentes dúvidas sobre a conduta ilegal dos acusados, ainda que se possa divisar irregularidades no procedimento, o que atrai a incidência do princípio in dubio pro reo”, afirmou.
O ministro afirmou que o a situação não caracteriza crime, mas irregularidade formal. Isso porque o TPU foi apenas uma saída para viabilizar o funcionamento do terminal, além de haver pareceres da AGU e da autoridade portuária pela manutenção do termo. Apontou também que não houve qualquer menção na denúncia ou no acórdão de intenção deliberada de causar prejuízo à Administração ou de obter favorecimento pessoal.