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Reforma tributária: início da próxima ‘tese do século’

A promulgação da Emenda Constitucional nº 132/2023 deu início ao período de transição da reforma tributária, marcado pela coexistência de regimes. Neste contexto, ressurge a histórica e indesejada discussão do “tributo sobre tributo”: os novos tributos (IBS e CBS) comporão as bases de cálculo do ICMS, ISS e IPI?

A resposta a essa pergunta, se positiva — o que acreditamos ser o cenário mais provável —, dará início às discussões judiciais tributárias pós-reforma, na contramão da promessa de simplificação do sistema.

Embora o legislador tenha tentado evitar essa sobreposição na PEC nº 45/2019, o texto final da EC nº 132/2023 terminou marcado por um lamentável silêncio legislativo, o qual será tido pelos estados como um “silêncio eloquente” a garantir a referida cobrança sobreposta.

Nesse contexto, foi apresentado na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei Complementar (PLP) nº 16/25, visando assegurar que o IBS e a CBS sejam excluídos expressamente da base de cálculo dos “antigos” tributos sobre o consumo. Referido PLP, que se encontra em tramitação, não tem perspectivas de votação. Enquanto isso, o início de vigência dos novos tributos bate à porta das empresas, deixando esse cenário ainda mais angustiante.

O estado de Pernambuco foi um dos primeiros a formalizar a sua posição no sentido de que, após o período de testes da reforma tributária (2026), a “inclusão do IBS e da CBS na base de cálculo do ICMS, ISS e IPI é autorizada” [1].

Esse entendimento tende a ser replicado pelos demais entes estaduais, pois são diversas as manifestações fiscais em eventos, grupos de estudos e notícias divulgadas na mídia especializada, no sentido de que a inclusão será exigida.

Contudo, tal exigência é manifestamente inconstitucional, sob o ponto de vista formal e material, pelas razões que elencamos neste artigo.

Vício formal insanável

A PEC nº 45/2019, posteriormente convertida na EC nº 132/2023, teve sua tramitação inicial na Câmara dos Deputados. O texto inicialmente aprovado em primeiro turno previa expressamente que o IBS não integraria a sua própria base de cálculo e nem a do Imposto Seletivo, do ICMS, do ISS e da CBS.

Posteriormente, o Senado promoveu a expansão do rol previsto no inciso IX, para dispor que o IBS e a CBS também não integrariam a base de cálculo do IPI, do PIS e da Cofins e da CBS-importação.

No retorno à Câmara, houve a supressão da parte do dispositivo que remetia ao ICMS, ao IPI e ao ISS. Sem que essa alteração retornasse ao Senado para a sua devida aprovação, foi promulgada a emenda.

Trata-se de um vício formal insanável no processo legislativo, por violação ao §2º do artigo 60 da CF, que prevê que “será discutida e votada em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, considerando-se aprovada se obtiver, em ambos, três quintos dos votos dos respectivos membros”.

Essa disposição reforça o caráter rigoroso e simétrico do processo legislativo constitucional, que exige paridade de deliberação entre Senado e Câmara. Como emendas constitucionais não estão sujeitas à sanção ou ao veto, o cumprimento desse rito é essencial para garantir sua legitimidade e estabilidade.

A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal [2] é pacífica no sentido de que o rigor desse rito legislativo pode ser relativizado apenas nos casos em que a alteração promovida pela Casa Revisora não for substancial.

Contudo, não é essa a situação verificada na EC nº 132/2023. A supressão da vedação expressa à inclusão do IBS/CBS nas bases de cálculo do ICMS, ISS e IPI não configura mera correção ou supressão acessória.

Pelo contrário! Trata-se de alteração bastante relevante, que afeta a própria essência do sistema tributário em transição, e resulta no aumento expressivo da carga tributária imposta aos contribuintes.

Logo, a supressão da norma que tratava da base de cálculo, tal como realizada, viola o artigo 60, §2º, da CF, tornando a EC nº 132/2023 formalmente inconstitucional, além de contrariar o entendimento do STF sobre o rigor e validade do processo legislativo constitucional.

Tributos calculados por fora

A pretensão fiscal também está eivada de uma inconstitucionalidade material, que reside na indevida cobrança de bases sobrepostas de tributos constitucionalmente calculados e exigíveis “por fora”.

A base de cálculo do ICMS é o “valor da operação”, sendo essa também a base de cálculo do IPI. No caso do ISS, a base de cálculo é o “preço do serviço”.

O IBS e a CBS, por sua própria natureza e por expressa disposição constitucional e legal, são tributos calculados “por fora”. Ou seja, não integram suas próprias bases de cálculo e são somados ao preço de venda apenas no momento da cobrança, não representando receita do fornecedor, mas sim do estado.

O “valor da operação” e o “preço do serviço”, bases de cálculo dos atuais impostos sobre o consumo, devem equivaler à contraprestação econômica que remunera o fornecedor pela venda do bem ou serviço. Logo, o IBS e a CBS, ao serem calculados “por fora”, não representam essa contraprestação.

Em situação análoga, a Lei Kandir já prevê que, em regra, o montante do IPI não integra a base de cálculo do ICMS quando a operação, concomitantemente, for fato gerador de ambos os impostos. O motivo é justamente o fato de o IPI ser um tributo não cumulativo e calculado “por fora”. Se a lógica jurídica já consolidada exclui o IPI, que possui sistemática semelhante, não há fundamento para se admitir a inclusão do IBS e da CBS.

Ignorar essa sistemática e forçar a inclusão dos novos tributos na base dos antigos representaria uma ampliação ilegal da base de cálculo por via interpretativa, em clara violação ao princípio da legalidade (artigo 150, I, da CF), segundo o qual um tributo só pode ser exigido ou aumentado nos termos exatos definidos por lei.

Tributo sobre tributo

A exigência em discussão também representa violação às diretrizes da reforma e ressuscita a lógica perversa do sistema anterior.

A criação de um sistema que permite a incidência de “tributo sobre tributo” é a antítese da simplificação, pois gera complexidade de cálculo, demanda parametrizações sistêmicas onerosas, além de formatar o contencioso judicial.

A reforma, que tinha como meta racionalizar e reduzir a litigiosidade, já nasce alimentando uma nova tese de disputa em massa, frustrando o ideal de um sistema tributário mais enxuto.

Além disso, a transparência, um dos objetivos mais celebrados da reforma, seria diretamente comprometida. A ideia da instituição do IBS/CBS calculados por fora e destacados no documento fiscal é justamente que se saiba o valor pago a título de tributos. Defender que o ICMS, IPI e ISS incidam sobre esses valores torna o sistema obscuro, pois embute no preço de venda um custo fiscal oculto, distorcendo a informação prestada ao consumidor.

Por fim, é também violada a neutralidade tributária, que busca garantir que a reforma tributária não traga ônus fiscal adicional aos contribuintes. A sobreposição de incidências gera um aumento artificial de tributos, que penaliza cadeias produtivas mais longas e distorce a formação de preços, exatamente o problema estrutural que o novo sistema foi desenhado para eliminar.

Permitir a cobrança dos atuais tributos sobre o IBS/CBS é, em última análise, trair a promessa de simplificação do sistema, mantendo a lógica do sistema anterior e frustrando a expectativa de um ambiente de negócios mais simples e justo.

Entendemos, pois, que a tese do fisco é juridicamente indefensável e representa um retrocesso no avanço pretendido com a reforma do sistema tributário.

Diante do iminente início do período de transição, a resolução célere e definitiva, seja por intervenção legislativa (PLP nº 16/2025) ou pela necessária manifestação do Poder Judiciário, é fundamental para garantir que a transição da reforma tributária avance rumo a um sistema mais simples, justo e eficiente, e não seja marcada pela instauração de um novo e massivo contencioso tributário.

Fonte: Consultor Jurídico, 9 de dezembro de 2025.

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