Exclusão de acionista por falta grave
A exclusão de sócio por falta grave é admitida no Direito Societário brasileiro.
Sob a disciplina das sociedades simples (e aplicada como regra geral), opera-se (a.) judicialmente (CC, art. 1.030, caput) ou (b.) extrajudicialmente, no caso de sócio remisso (art. 1.004) e de sócio de serviço faltoso (art. 1.006). Para as sociedades limitadas, além da hipótese de exclusão judicial (fundamentada no mesmo art. 1.030), a expulsão pode ocorrer extrajudicialmente, no caso de sócio remisso (art. 1.058) e de comprovada falta grave (art. 1.085). Nas sociedades de advogados, o Provimento 112/2006 do Conselho Federal da OAB prevê a exclusão de sócio por deliberação majoritária, observados os termos do contrato social. Ainda, é aceita a exclusão (judicial ou extrajudicial) de membros de cooperativas (arts. 21, 23 e 33 a 36 da Lei 5.764/1971) e associações (CC, art. 57).
Constata-se, portanto, ser incontroversa a possibilidade de exclusão de integrantes nas organizações finalísticas de pessoas, salvo na hipótese das sociedades por ações, em que a exclusão de acionistas é por muitos recusada especialmente diante () da omissão legal, (ii.) da existência de mecanismos próprios para lidar com o descumprimento dos deveres de acionistas e (iii.) do caráter institucional de tal espécie de sociedade[1].
A recusa à possibilidade de exclusão de acionista pela prática de falta grave, todavia, não prospera. Isso porque em qualquer contrato o descumprimento de deveres (legais ou contratuais) pode ensejar a resolução por inadimplemento. Não existiria lógica em, diante do descumprimento das obrigações por um dos sócios, mantê-lo na sociedade ou impor o término da sociedade (e possivelmente sua substituição por outra sociedade, nova). Lembre-se que a companhia é estruturada por contrato plurilateral; assim sendo, o descumprimento dos deveres leva à extinção somente do vínculo do sócio inadimplente.
Considerando que as sociedades por ações também são organizações finalísticas constituídas, de regra, por um contrato plurilateral (CC, art. 981), não vislumbramos razões para negar a possibilidade de exclusão de acionista em caso de falta grave – o que, a rigor, já está previsto no caso do acionista remisso (LSA, art. 107).
A exclusão de sócio pode ocorrer em qualquer sociedade, não desnaturando nem sendo incompatível com a estrutura das sociedades por ações[2], mesmo porque o direito de permanecer sócio não é absoluto[3].
Trata-se de “princípio inerente ao fenômeno societário; é ‘parte integrante de toda relação jurídica pessoal de duração’; ‘é um direito do sócio leal ao contrato resultante de regras gerais de direito societário’. Por isso, rigorosamente, prescinde de expressa previsão legal”[4].
A previsão na LSA de outros remédios para o inadimplemento de sócios não impossibilita a exclusão, dado que nem sempre os mecanismos diretamente previstos em lei são suficientes para sanar o descumprimento.
Costuma-se associar – e, portanto, a limitar – a admissão da exclusão de acionista às companhias que possuam o chamado intuitu personae(usualmente fechadas, com poucos sócios, com vínculos familiares e/ou empreendedores – em contraposição aos investidores passivos). Tal elemento pessoal afastaria a companhia de uma sociedade de capital, aproximando-a, em essência, a uma sociedade de pessoas, consequentemente aplicando-se regras específicas das limitadas (e simples). Por conta disso, nasceriam certos deveres específicos e mais fortes, de forma que eventuais litígios, ao colocarem em risco o trabalho conjunto desenvolvido e o engajamento no âmbito societário, tornariam admissível a exclusão de acionista[5].
Tal limitação, contudo, é imprecisa e pode conduzir à arbitrariedade. A noção de affectio societatis não é constitutiva de qualquer tipo societário e, nesse sentido, não pode sua “falta” ou “quebra” ser requisito para a exclusão de sócios (como, inclusive, reconhecem o Enunciado 67 da I Jornada de Direito Civil do CJF e o Enunciado 23 da Jornada Paulista de Direito Comercial).
O fundamento capaz de viabilizar a exclusão de sócio é o descumprimento de deveres de sócio, independentemente da relação ou da proximidade entre os sócios ou, ainda, do valor que se dê a elas. Tanto isso é verdade que o CC não condicionou nenhuma exclusão ao fato de o sócio ter maior ou menor influência na vida social ou ao fato de a sociedade ser considerada de pessoas; o mesmo se diga quanto à exclusão de membros de cooperativas ou de associações. A possibilidade de exclusão independe de exames que, por sua alta subjetividade, são sempre indesejáveis.
Além disso, ainda que originalmente a exclusão de sócio tenha surgido nas ditas sociedades de pessoas, nota-se, nos últimos tempos, seu crescente reconhecimento nas chamadas sociedades de capital, inclusive nas sociedades por ações[6]. Exemplificativamente, a Ley de Sociedades de Capital da Espanha foi alterada em 2011, prevendo seu atual art. 351 a possibilidade de exclusão de sócios tanto nas sociedades limitadas quanto nas anônimas.
Temos, portanto, que a exclusão do sócio por falta grave é compatível com a estrutura básica de qualquer espécie societária. A possibilidade de que um de seus membros seja expulso não desnatura tipo societário algum. As causas de exclusão, portanto, variam na mesma proporção que variam os deveres dos sócios cujo descumprimento possa constituir falta grave. Quanto aos procedimentos de exclusão, estes sim dependerão do tipo societário[7].
Não há, portanto, impedimento à exclusão de um acionista de companhia aberta, tampouco devemos condicioná-la à existência de um aspecto pessoal em tais sociedades[8]–[9]. Por outro lado, não se pode negar a limitada utilidade na expulsão de acionistas de companhia cujas ações contem com grande liquidez (aberta, p. ex.): o excluído poderia adquirir novas ações e, então, voltar ao quadro social[10].
A exclusão de acionistas está fundada no descumprimento de um dever de sócio, sendo imperioso que se opere judicialmente (aplicando-se o art. 1.030 c/c os arts. 1.089 e 1.090, todos do CC), ressalvada a possibilidade de exclusão extrajudicial do acionista remisso (LSA, art. 107). Logo, não se pode aceitar, como regra geral, a possibilidade de exclusão extrajudicial (ainda que existindo previsão estatutária a respeito). Tal impossibilidade decorre do regime de tutela do capital social, pelo qual somente é possível a sua modificação nas hipóteses previstas em lei (LSA, art. 6º). Ainda impede a exclusão extrajudicial de acionistas o fato de o art. 1.085 do CC ser regra facultativa aplicável somente às sociedades limitadas – ainda que o argumento favorável à exclusão extrajudicial com previsão estatutária, com base no art. 57 c/c o art. 44, §2º, ambos do CC, possa ser consistente[11].
Finalmente, reconhecer a possibilidade de exclusão de acionistas por falta grave é um exercício de honestidade. Ao assim proceder, evita-se a adoção (em algumas oportunidades de modo disfuncional) de outros mecanismos ou institutos, impróprios, para expelir sócios indesejados.
JOTA – 26/09/2018